Tags
claustrofóbico, desespero, enterrado, medo, refém, segurança, terra, terrorismo
Ser sepultado vivo é um dos maiores medos da humanidade, tema que já foi explorado por muitas obras de diversos tipos, como em vários contos de Edgar Allan Poe, principalmente com “Enterro precoce”, e filmes como “Morto mas nem tanto” (1990) de Frank Darabont, gerando até um medo extremo conhecido como tafofobia. Ficar preso num espaço tão pequeno como num caixão, sem quase possibilidade de locomoção, com o ar limitado, abaixo de metros de terra, enquanto seu coração bate firme e forte é de deixar qualquer pessoa de cabelo em pé.
É disso que se trata o primeiro filme do diretor espanhol Rodrigo Cortés, que faz sua estréia nos cinemas com o pé direito numa claustrofóbica e tecnicamente admirável obra, que conta com a participação do badalado astro Ryan Reynolds. Se inspirando em películas agonizantes como “Mar aberto” (2003) e “Por um fio” (2002), em que apresentam basicamente a mesma proposta de seu filme, e em Hitchcock (que fez um filme parecido em “Festim diabólico” – 1948 -) na montagem da estrutura e ritmo, o diretor realiza uma pequena obra-prima do suspense, de certa forma inovadora e executa uma experiência climática e memorável em seu feito.
A trama começa quando o caminheiro Paul Conroy acorda completamente perdido e desorientado, enterrado seis metros de profundidade na terra, preso num caixão apertado, portando somente de um isqueiro, uma faca, uma lanterna gasta e um celular com bateria limitada. Logo descobre que está preso naquele lugar mínimo e recebe uma ligação inesperada de um terrorista, que o envolverá numa armadilha terrível, restando apenas para Paul tentar escapar com vida daquele lugar asfixiante antes que seja tarde demais. O roteiro de Chris Sparling é astuto e corajoso em empregar diversos artifícios narrativos para transformar em tensa e angustiante uma trama aparentemente monótona. Nota-se o uso do celular, que é responsável pelo desenvolvimento da trama inteira, fazendo Paul se comunicar com o mundo lá fora e sofrer com as chantagens dos terroristas, a cobra que entra por um buraco na madeira, que mesmo sendo um exagero não deixa de ser tenso, tudo pra encobrir suas visíveis limitações, mesmo que pra isso tenha que usar os velhos clichês.
Mas pra quem acha que o filme só se resume a isso, está bem enganado. Em diversas partes da trama, cabem várias críticas diretas a diversos assuntos, como por exemplo, a dificuldade de Paul em conseguir se comunicar com a polícia e a demora em alguma coisa realmente ser feita em relação a sua situação precária, revelando toda a burocracia sórdida envolvida e o pré-julgamento que o governo faz da importância de um indivíduo para o país. No final, em que a obra se mostra surpreendente e corajosa, temos uma critica ácida em nome de todas as pessoas inocentes que são ou foram mantidas reféns em diversas localidades no mundo que tem que pagar com suas próprias vidas questões diplomáticas mal resolvidas.
Em conceitos técnicos, seu projeto é deslumbrante. Tendo apenas as cubículas dimensões do caixão como o cenário para o filme inteiro, Cortés usa e abusa de todos os ângulos possíveis dentro do espaço para tornar sua obra mais dinâmica e evitar que seja repetitiva visualmente, mostrando algumas vezes a escuridão em que Paul tem ao seu redor fora do caixão e empregando uma montagem precisa. A iluminação dentro do local é somente feita com o fogo do isqueiro, consumindo parte do oxigênio do lugar, e com a pouca luz do celular, o que torna a escuridão tenebrosa naquele espaço mínimo. Os efeitos sonoros deixam tudo mais verossímil, dando parecer de que tudo ocorre realmente dentro do caixão, com sons abafados e intensos, um ótimo trabalho sonoplastico.
O único ator que vemos em cena é Ryan Reynolds, pois o resto dos atores só contribui na parte vocal (pelo telefone), que surpreende muito em seu desempenho, visto que era um ator desacreditado por muitos pela sua carreira de filmes razoáveis e descartáveis, deixando sua veia cômica de lado e mostrando seu talento em obras mais sérias, conseguindo segurar o filme inteiro com sua ótima performance, conquistando todo o carisma possível para que tudo se torne mais crível e assustador.
Sem dúvida nenhuma, é um dos melhores filmes de suspense de 2010, diferente em sua proposta e eficiente em criar a tensão e angustia que quis proporcionar, aterrorizantemente real e corajoso em tentar ultrapassar as barreiras de suas limitações, uma película que utiliza de muitos engenhos técnicos possíveis e acabou sendo uma experiência fenomenal de primeira linha sobre tortura psicológica e questões políticas, uma pequena obra-prima de Cortés, que espero ansiosamente por seu próximo trabalho.
Avaliação: 4/5